O Último Desafio do Ser Humano

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O Último Desafio do Ser Humano

Moacyr Castellani

A dificuldade de uma pessoa em ser protagonista de sua própria vida está estreitamente ligada à sua total incompreensão do verdadeiro significado da morte.
Tendemos a encarar a morte como uma possibilidade futura, distante da nossa própria realidade. Adiamos muitos de nossos sonhos e ações porque pensamos na morte como alguma coisa longínqua. Achamos que teremos tempo de sobra adiante para avaliarmos a vida e suas magníficas possibilidades de mudança. De uma maneira sintética, pensamos ser imortais, deixamos de ser nós mesmos porque pensamos dispor de muito tempo para sê-lo.

Dom Juan, personagem de Carlos Castañeda, já dizia: “ Você, ( . . . ) acha que é imortal e as decisões de um homem imortal podem ser anuladas ou motivo de arrependimento ou de dúvida. Num mundo em que a morte é o caçador, meu amigo, não há tempo para remorsos nem dúvidas. Só há tempo para decisões.”
Sem querer ser pessimista ou fatídico, podemos morrer a qualquer momento. Qualquer ser humano está apto a sofrer um golpe fatal em sua vida, como acidente, doença ou até homicídio. Para ser mais claro, o que quero dizer é que não possuímos garantia absoluta de que estaremos vivos no dia de amanhã. Pode ser bem provável que sim, mas não garantido.

As pessoas tendem a acreditar, a enxergar a morte como uma possibilidade futura. Se você prestar atenção, perceberá que a imagem que sua mente tem da morte é uma imagem futura. É uma imagem de algo que acontecerá depois; não agora. Seja jovem, adulto ou idoso, o que a maioria das pessoas pensa da morte é que ela é uma perspectiva futura.

Mas, como o futuro não existe, o homem muitas vezes se ilude. Ele se ilude porque adia suas ações, adia a si mesmo. Deixa de vivenciar potenciais e realizar seus sonhos porque teima em acreditar no futuro. Adiar as coisas não é viver o presente, é esperar o futuro. Mas como o futuro não existe, o homem acaba por esperar por coisa nenhuma.

É óbvio que traçar objetivos, criar projetos de vida não fazem mal a ninguém. Pelo contrário, numa era dominada pelo uso constante da linguagem, a representação mental de objetivos autênticos preparam e motivam o indivíduo a realizar bem seus anseios. A construção de metas e objetivos concretos fazem parte do dia a dia do mundo. Desprezar abruptamente esta evidência do mundo moderno pode ser ato danoso na maioria dos casos. Contanto que o indivíduo esteja consciente de que objetivos mentais são apenas ferramentas para lidar com a realidade, tudo bem.

Ele não deve é confundir projeto de vida com a vida real, mapa com território. Este seria o caso daqueles que se obcecam tanto na busca de um objetivo, que desprezam mudanças e transformações. Às vezes, ao passar dos anos, um projeto perde seu verdadeiro sentido – despontam outras oportunidades, surgem novos valores. Mas, tão obcecado com a ideia de vencer a meta antiga, o sujeito deixa de construir uma nova trilha para afogar-se nas mesmas águas paradas.
É triste como há gente que, tão acostumada a adiar, adia também seus projetos, o destino, adia o próprio ato de adiar. O homem adia a si próprio – ele, literalmente, pensa ser imortal.

Ser imortal não seria de grande valia. Quem sabe se fôssemos imortais, acabaríamos por deixar a maior parte das coisas para serem feitas depois, indefinidamente, até o ponto em que nunca as realmente faríamos? Poderíamos ser imortais mas mesmo assim infelizes. Não teríamos garra suficiente para viver o agora – sempre deixaríamos para depois.

Quem sabe da existência da morte não adia a própria vida. Conforme diz o Budismo, a característica mais essencial da vida é a sua impermanência. O indivíduo que sente existencialmente a presença da morte adquire consciência da impermanência das coisas, da impermanência de si mesmo – torna-se alerta.

“Quando as pessoas se defrontam vivencialmente com a morte e com a impermanência de tudo, não raro começam a ver todas as suas atuais estratégias de vida como falsas e errôneas, passando a acreditar que a totalidade de suas percepções é algum tipo de ilusão básica. O encontro vivencial com a morte muitas vezes representa uma verdadeira crise existencial, que força as pessoas a reexaminar o significado de sua vida e os valores pelos quais vivem. Ambições mundanas, motivações competitivas, busca de status, poder e bens materiais tendem a se desvanecer quando são vistas dentro do contexto da morte potencialmente iminente.” (Stanislav Grof).

Ao invés de encarar o conceito da morte unicamente como término, fim ou passagem, o ser humano pode utilizá-lo também no decorrer da vida. É estranho, mas o indivíduo pode “ utilizar a morte ” ao seu bem proveito. Ao invés de adiá-la, negá-la ou odiá-la, o sujeito pode amá-la. Pode amá-la porque a morte é um exemplo. A morte é um exemplo de firmeza e implacabilidade. É um exemplo de poder.

Aprender com a morte torna o homem firme e determinado para com as coisas da vida. Faz com que ele execute verdadeiramente o que realmente interessa: expressar-se com mais vigor; agir a partir das mensagens do seu coração; aceitar seus verdadeiros potenciais e procurar executá-los; viver intensamente o presente; tornar-se atento às mensagens sutis de sua alma e de seu corpo; abrir a mente para cada segundo de sua vida.