Texto original de Ken Wilber da sua apresentação em Dez/2017 disponível
27 de outubro de 2018 2023-08-29 15:55Texto original de Ken Wilber da sua apresentação em Dez/2017 disponível
Moacyr Castellani, após participar do Evento What Now com Ken Wilber em Denver (Dez 2017 / Jan 2018), entrou em contato com Ken e solicitou se ele poderia compartilhar o texto original de sua apresentação. Gentilmente Ken cedeu o arquivo e também autorizou compartilhá-lo com as pessoas que desejarem recebê-lo.
Em seguida, Ari Raynsford gentilmente traduziu o texto para português e Darcy Brega realizou a revisão.
Segue abaixo o texto completo.
OS SENTIMENTOS DA ILUMINAÇÃO – Ken Wilber (Palestra proferida no Simpósio WHAT NOW em Broomfield, CO, em dezembro de 2017) Tradução de Ari Raynsford / Revisão de Darcy Brega “Venho apresentando uma Abordagem Integral à realidade desde o meu primeiro livro, O Espectro da Consciência, que foi escrito quando eu tinha 23 anos – isso foi quase meio século atrás. E ao longo dos anos, tem sido interessante ver o que várias pessoas – as que adotaram a Estrutura Integral – fizeram com os aspectos espirituais da mesma; o que fizeram com a dimensão Waking Up [Despertar]… Porque cerca de metade das pessoas que usam a Estrutura Integral parece incluir a dimensão espiritual e cerca de metade, não. Eu nunca sustentei que alguém tivesse de abraçar a espiritualidade para poder usar uma Abordagem Integral – você é totalmente livre para incluir ou não a espiritualidade, a seu bel-prazer. Na cultura atual, muitas pessoas inteligentes esquivam-se completamente de tópicos religiosos, devido em grande parte ao modo verdadeiramente infantil como a maioria da espiritualidade institucionalizada é praticada – em um nível baixo de Growing Up [Crescimento], mágico ou mítico, sem nenhum Waking Up. Agora, na minha vida, eu procuro incluir a dimensão espiritual de forma madura e integral, proveniente de um nível elevado de Growing Up, e incluir as melhores tradições de Waking Up. Acredito que uma espiritualidade integralmente interpretada e integralmente fundamentada é uma dimensão profundamente importante da nossa existência. Afinal, as Grandes Tradições da Sabedoria mantêm vigorosamente essa dimensão espiritual como o Fundamento de Todos os Seres, representando uma genuína Verdade suprema, e não simplesmente uma verdade relativa oferecida, por exemplo, pela ciência (embora as verdades relativas da ciência certamente precisem ser incluídas – esse é um ponto central da Abordagem Integral).
Mas por que, especialmente no mundo de hoje, tem sido uma boa ideia incluir um autêntico componente de Waking-Up na minha vida? Por que precisamos de algo como uma prática de Waking-Up em primeiro lugar? Existe realmente algo chamado Iluminação, Despertar, Satori, Moksha, a Grande Libertação?
Bem, sim, existe. As Grandes Tradições de Sabedoria sustentam unanimemente o que é chamado de “Doutrina das Duas Verdades”. A saber, existe a verdade relativa e existe a Verdade absoluta (ou Verdade última). A verdade relativa inclui coisas como: “a terra é um dos nove planetas que circundam o sol” ou “o núcleo de um átomo contém prótons e nêutrons”. As Tradições sustentam que tais verdades relativas são importantes e todas precisam ser incluídas em qualquer compreensão abrangente do nosso mundo. Mas elas também afirmam que existe a Verdade última, e que essa Verdade, em especial, precisa ser incluída. Enquanto a verdade relativa diz coisas como “a terra é o terceiro planeta a partir do sol” ou “a água é composta de um átomo de oxigênio e dois átomos de hidrogênio”, a Verdade última afirma que hidrogênio e oxigênio, e a terra e os planetas são todos feitos de Espírito – são todos manifestações da grande Essência do Ser. E, além disso, essa Verdade última pode ser diretamente conhecida. Um indivíduo pode despertar para essa Essência do Ser, envolvendo-se em várias práticas e exercícios que, basicamente, alteram o estado de consciência de uma pessoa – de um estado relativo de consciência, ligado ao ego finito e, portanto, limitado, fragmentado e constantemente atormentado, para um estado final de consciência de unidade, uno com a Verdade absoluta e livre do ego, do sofrimento e do tormento. A verdade relativa ainda é real e continua existindo, mas tudo existe como uma manifestação da suprema Essência do Ser. E você pode descobrir e experienciar diretamente essa grande Essência do Ser – uma experiência ou realização conhecida por Iluminação, Despertar, Metamorfose, Satori, Moksha, Fana – em resumo, Waking Up. As evidências, por todo o mundo e ao longo da história, dessa experiência de Iluminação ou Satori são simplesmente impressionantes. Ela ocorre espontaneamente (pesquisas recentes reportam que cerca de 60% da população já tiveram uma forte experiência de sentir-se uno com todo o universo, proporcionando-lhes uma paz de espírito profunda, amorosa e beatífica). Mas para que a experiência se torne estável e duradoura – para se passar de uma experiência de pico temporária para uma experiência de platô mais permanente – em geral, a pessoa precisa adotar uma prática espiritual contínua de algum tipo.
E o problema com essa ideia é que a maioria das tradições espirituais, além de elementos profundos da Verdade última, também incorporaram um grande número de elementos supersticiosos, infantis, muitas vezes totalmente ingênuos (desde a abertura do Mar Vermelho por Moisés, a Lao Tsé ter nascido com 900 anos de idade, a transformação da esposa de Ló em uma estátua de sal, a arca de Noé e assim por diante, indefinidamente). Esse fato está por trás da frase frequentemente ouvida: “eu sou espiritualista, mas não religioso”, onde “religioso” significa as típicas formas institucionalizadas tradicionais de espiritualidade com suas incríveis tolices (a propósito, “espiritualista, mas não religioso” é uma frase que cerca de 70% dos Millennials dizem descrevê-los). Portanto, à medida que buscamos no mundo das Grandes Tradições práticas e exercícios que nos ajudarão efetivamente a Despertar, o que precisamos fazer é estar atentos a modos de espiritualidade infantis, supersticiosos, mágicos ou míticos que infestaram praticamente todas as primeiras formas de religião, e tomar cuidado para aceitar e utilizar apenas os modos de espiritualidade que apresentam tanto a verdade relativa quanto a Verdade última. Isto exigirá uma boa quantidade de ajustes das Grandes Religiões; eu sugeri algumas maneiras de fazê-los no meu recente livro The Religion of Tomorrow.
Alcançar este tipo de espiritualidade madura e autêntica, que inclui tanto um Growing Up bem desenvolvido quanto um Waking Up verdadeiramente eficaz, oferece-nos especial consolo e libertação do estado de espírito pós-moderno padrão dos nossos tempos, que é a implacável depressão devida à triste, até mesmo alarmante, situação do mundo contemporâneo. Desvelar a grande Essência do Ser – sua própria Face Original e Eu Real – a Grande Perfeição que é o seu Ser mais profundo e verdadeiro – este é o único antídoto realmente eficiente para o tormento epidêmico que agora inunda o planeta para onde quer que se olhe. Descobrir que você, no mais profundo núcleo do seu Ser, é de fato a Luz do Mundo extinguirá qualquer angústia, qualquer depressão torturante e tristeza aflitiva que possam, de alguma forma, assolar sua consciência. Inicialmente, pensei em fazer hoje uma apresentação baseada em outro livro recente que acabei de escrever, intitulado Trump and a Post-truth World [Trump e um Mundo Pós-verdade], que focaliza o dilema pós-moderno que está subvertendo o globo. Boa parte deste Simpósio está focada neste tema, e com razão. Depois pensei em simplesmente abordar, não o dilema pós-moderno em si, mas o único importante e verdadeiro antídoto para essa atmosfera absolutamente deprimente, sombria e debilitante – ou seja, uma genuína Iluminação ou Despertar. Em outras palavras, trataremos da Verdade última. A verdade relativa ainda é extremamente importante – praticamente todo o trabalho efetivo que desenvolvemos no mundo atual é realizado através de vários caminhos da verdade relativa. Growing Up [Crescer], Showing Up [Estar Presente], Opening Up [Abrir-se] e Cleaning Up [Purificar-se] – praticamente todos eles lidam com aspectos incrivelmente importantes da verdade relativa, aspectos deste mundo finito, manifesto e convencional, e de como trazê-lo para formas mais inclusivas, abrangentes, saudáveis e integrais. Mas subjacente a tudo isso está o Waking Up [Despertar] para a Verdade última – a Essência, a Fonte, a Condição e a Natureza de todas as verdades relativas. Desejamos uma real integração da verdade relativa com a Verdade última (diagrama AQAL – verdade relativa; papel sobre o qual é desenhado – Verdade última). Assim, enquanto muitas das apresentações deste Simpósio concentram-se em importantes verdades relativas que abordam vários desastres pós-modernos, esta tarde estaremos nos concentrando na Verdade última, e a importância de incluí-la em qualquer verdadeira Abordagem Integral do mundo.
E o que eu, particularmente, quero fazer aqui é salientar os sentimentos reais que acompanham este estado de Waking Up [Despertar]. Na maioria das vezes, são apresentados os aspectos cognitivos da Consciência Desperta, tais como: a Iluminação apresenta uma consciência que é não dual e totalmente unificada; ou envolve desvelar uma Consciência totalmente abrangente verdadeiramente sem preferências – ou lhe são dados alguns de seus aspectos ontológicos, tais como: o mundo é, na verdade, uma Grande Teia da Vida, com cada coisa interconectada a outras; ou é uma grande rede entrelaçada de existência unificada e Unidade divina abrangendo todo o universo; ou é uma Grande Cadeia do Ser, seguindo da matéria para o corpo para a mente para a alma para o espírito, e você pode perceber sua unidade com tudo isso. E há um pouco verdade em cada uma dessas afirmações.
Mas o que não é tão frequentemente mencionado ou utilizado é o fato de que todos os estados de consciência Iluminados ou Despertos também têm emoções profundas associadas a eles. A Iluminação vem com sentimento. Waking Up vem com emoção. Você não tem apenas uma Consciência da Iluminação, você consegue senti-la. E esses sentimentos e emoções podem ser usados – da mesma forma que os aspectos cognitivos e ontológicos – como direções de uma bússola para ajudá-lo a buscar e descobrir seu próprio Eu Iluminado. Não se torne simplesmente cada vez mais consciente de todos os seus pensamentos e ações; não procure apenas por uma Consciência não dual sem preferências; não busque apenas um mundo completamente unificado e totalmente interligado. Faça tudo isso por todos os meios; mas também procure sentir tudo isso; procure pelo real Sentimento de Iluminação. Não apenas ore pela sua Iluminação, não apenas medite sobre seu caminho para a Iluminação – sinta seu caminho para a Iluminação.
E que Sentimentos são esses? E como posso saber que tenho os Sentimentos corretos? Bem, esta parte é simples – e é aí que o sexo entra em cena. Apresentarei alguns dos estados superiores e mais elevados de consciência – e algumas instruções pontuais para que cada um de vocês possa experienciar diretamente esses estados superiores, especialmente aqueles estados que se diz estarem associados à Iluminação e ao Waking Up. E, em seguida, exploraremos os Sentimentos profundos que acompanham esses Estados, de forma que você terá um conjunto de pontos cardeais em sua própria vida para poder usá-los para Waking Up.
E é isso que nos levará diretamente ao sexo. Mais especificamente, ao caminho espiritual conhecido como Tantra, que usa a sexualidade convencional cotidiana como uma senda direta para o Espírito, um caminho reto para a Iluminação. Mas vamos usar uma abordagem particularmente Integral para essa questão, de modo que, mesmo que você esteja familiarizado com o Tantra, esta versão lhe parecerá bastante nova. Comecemos com algumas informações básicas necessárias. Nós já mencionamos a verdade relativa e a Verdade última. A maioria das pessoas vive com um conhecimento consciente de vários tipos de verdade relativa; em geral, elas estão completamente inconscientes da Verdade última. As Grandes Tradições afirmam universalmente que esse estado – o estado de conhecer apenas a verdade relativa e não a Verdade última – é, de fato, um mundo decaído, um mundo de pecado original, um mundo intrinsecamente alienado; um mundo que Buda dizia não passar de dukkha ou sofrimento implacável; é a caverna de Platão, onde as pessoas estão presas, observando apenas sombras ao fundo, completamente inconscientes da grande Luz da Realidade fora da caverna; este é um mundo que tanto o Hinduísmo quanto o Budismo chamam de um mundo de ignorância, onde estamos dormindo e completamente inconscientes do nosso Eu mais verdadeiro e da Realidade mais profunda.
Em outras palavras, os típicos estados de consciência que a maioria das pessoas vivencia estão mergulhados nessa ignorância. Portanto, praticamente todos os estados mais comuns que as pessoas experimentam não são estados finais – eles não são eternos, não são infinitos, não são inclusivos, não são Iluminados e não são Despertos. Mas ao modificar a consciência de modo que ela não fique presa a esses estados menores e relativos e, em vez disso, encontre estados definitivos ou absolutos – que, de fato, são considerados eternos, infinitos e totalmente abrangentes – podemos descobrir, por nós mesmos, a suprema Essência do Ser, o Sol radiante fora da caverna. E essa descoberta é chamada de Iluminação, Despertar, Satori, a Grande Libertação.
Em geral, as diversas Tradições classificam os principais estados relativos que os humanos têm disponíveis, bem como os vários estados superiores que eles também podem perceber. Um esquema comum – que encontramos no Hinduísmo, no Budismo Tibetano e em diversas Escolas Neoplatônicas ocidentais – apresenta cinco principais estados consciência, três relativos e dois absolutos ou finais. Vamos dar especial atenção aos dois estados finais, já que são aqueles diretamente ligados à Iluminação.
Mas apenas para registro, os três estados relativos são geralmente conhecidos como estado denso, estado sutil e estado causal. Um exemplo do estado denso é a consciência comum de vigília, com um ego isolado, consciente de um mundo meramente material, o mundo que pode ser percebido pelos sentidos. Um exemplo de um estado sutil é o estado de sonho, onde a extraordinária criatividade da consciência cria mundos inteiros a partir do nada. E um exemplo do estado causal é o sono profundo sem sonhos, que a maioria das pessoas experiencia como um tipo de imenso vazio, mas as Tradições afirmam ser, na verdade, uma experiência direta do infinito informe ou essência espiritual (e elas sustentam que o estado causal pode ser vivenciado dessa forma por meditadores que pratiquem há muito tempo, e que há uma grande quantidade de evidências experimentais de que isto é verdade).
Mas esses são todos estados relativos, o que significa que são separados uns dos outros; todos existem no tempo, são temporais – isto é, eles vêm, ficam um pouco e vão embora. Todos têm qualidades ou características, e elas diferem umas das outras. E nenhum desses estados é verdadeiramente inclusivo ou abrangente (cada estado relativo exclui os outros – você não pode, por exemplo, estar no estado de vigília e no estado de sono profundo sem sonhos ao mesmo tempo); assim, nenhum deles pode ser a Essência de Todos os Seres; nenhum deles é absoluto ou definitivo. Diz-se que os estados derradeiros são completamente unos com o Espírito; são, portanto, eternos, infinitos, totalmente inclusivos. E como a maioria das pessoas não vivenciou diretamente esses estados finais, mas apenas tem acesso a estados relativos, essa maioria realmente é não Iluminada, não Desperta, não Autorrealizada; ela vagueia, entorpecida e míope, por um mundo decaído, dormente, ignorante, mergulhado em dukkha e, muitas vezes, em trevas suicidas.
Mas há um ponto ainda mais profundo nas Grandes Tradições. A maioria das pessoas parece ser completamente ignorante ou não Iluminada; elas parecem estar totalmente inconscientes da infinita e eterna Essência do Ser que é seu próprio Eu mais profundo e Condição genuína. E é verdade; a maioria das pessoas é ignorante; mas essa ignorância, afirmam as Tradições, é uma ilusão, não é de fato real. Ao contrário, o estado de Iluminação não é algo difícil de alcançar; na verdade, é impossível evitá-lo. Realmente, aqui e agora, você está totalmente Iluminado, totalmente Desperto, totalmente Realizado. Isto não é algo que você possa criar, alcançar ou atingir; em vez disso, é sua Consciência, exatamente como é agora, totalmente Iluminada. Como afirma o Zen: “a mente cotidiana, apenas, é o Tao”. E é por isso que as Tradições mantêm, repetidamente, que a Iluminação não é algo que você possa alcançar. Jesus Cristo ressalta que você já está salvo; você não precisa ser perdoado, você já está, pela graça, completamente salvo. Os principais textos budistas, os Sutras Prajnaparamita, repetem sempre: “se você conseguisse perceber que a Iluminação é inatingível, você estaria Iluminado”. “Inatingível” é a palavra que eles usam; a Iluminação é inatingível porque já está totalmente presente. Você não pode atingir a Iluminação tanto quanto não pode alcançar seus pulmões ou adquirir seus pés.
Portanto, como isso funciona exatamente? Observe que estamos usando a palavra “eternidade” e aplicando-a à Verdade última e à Iluminação. Isto é, a Verdade última e a Iluminação não são temporais, são eternas. Ora, a maioria das pessoas pensa que eternidade significa realmente muito tempo mesmo; tempo fluindo para sempre, sem fim. Mas isto não é eternidade, é apenas o tempo estendido indefinidamente. Isto não é a Luz fora da caverna, isto é apenas um grande amontoado de sombras, todas empilhadas. Eternidade não significa tempo para sempre; significa um ponto sem tempo. Significa um momento intemporal, um Agora intemporal, onde o tempo some completamente e há apenas um momento Agora sem fim, que nunca entra no fluxo do tempo, mas está totalmente presente em cada ponto do tempo.
Expliquemos passo a passo, de forma bem simples: eternidade significa intemporal; intemporal não significa tempo eterno, mas um ponto sem tempo; sendo sem tempo, a eternidade não rivaliza com o tempo e, assim, ela (já que é completamente intemporal) se encaixa completamente em cada momento de tempo; e isso significa que a eternidade está sempre presente, a eternidade está completa e totalmente presente agora, toda ela – no chamado Agora intemporal ou Presente puro. O grande filósofo Wittgenstein disse isto de maneira simples e clara: “se consideramos o significado de eternidade como, não a duração temporal eterna, mas como um momento sem tempo, então a vida eterna pertence àqueles que vivem no presente”.
Tudo bem? Você não pode alcançar a Iluminação porque ela é definitivamente eterna, o que significa intemporal, o que significa sempre presente, o que significa totalmente presente justamente agora. E isso não é algo difícil de ver, é impossível de não ver. Eis exatamente por quê:
Já que “a vida eterna pertence àqueles que vivem no presente”, temos a famosa injunção de que para ser Iluminado, você apenas tem de “Estar Aqui Agora” – esta injunção significa viver plena e completamente no Agora intemporal. E é dito que se você conseguisse viver plenamente neste Agora intemporal – se conseguisse “Estar Aqui Agora” completamente – então você seria Iluminado. Todo mundo concorda com isso. Quando lhe ensinam a meditação mindfulness [atenção plena], por exemplo, você aprende a prestar atenção apenas no presente passageiro – você ignora o passado e ignora o futuro, e só presta atenção ao momento presente. E se você estivesse vivendo continuamente apenas este presente momento Agora, você estaria Iluminado.
Mas o ponto mais profundo das Tradições é que, como dissemos, você já está Iluminado – e, portanto, isso significa que você já está vivendo plenamente no Agora intemporal e não tem de praticar viver no Agora? Sim, é exatamente isso. O ponto central é que o tempo em si é uma ilusão, e você está sempre consciente apenas do Agora intemporal – e isso já está acontecendo neste momento. A maioria de nós acredita que estamos existindo em um mundo de tempo, e esse tempo se desdobra em uma sequência do passado para o presente para o futuro. Mas essa é exatamente a ilusão; você nunca está consciente de um fluxo de tempo ou de qualquer coisa que exista no passado ou no futuro – o que você sempre está consciente é de um Agora intemporal (e é exatamente por isso que você já está Iluminado).
Se você não acredita, vá em frente e pense em qualquer coisa do seu passado. Tenha uma boa lembrança dessa coisa, veja-a claramente. Mas note que tudo o que você está realmente vendo é uma memória, e essa memória existe apenas neste momento Agora. E quando esse evento realmente ocorreu, ocorreu no momento Agora. Em qualquer caso, há apenas um momento Agora intemporal. Da mesma forma, pense sobre qualquer coisa do futuro. Essa, também, é apenas um pensamento, e esse pensamento existe apenas neste Agora intemporal. E se ele se tornar uma realidade em algum momento, esse momento também será um momento Agora.
Em outras palavras, tudo do que você está realmente consciente é de um momento Agora intemporal, de uma eternidade sempre presente. Você não precisa se concentrar apenas no presente passageiro e tentar não pensar sobre o passado ou o futuro – pense em qualquer coisa que você queira, passado, presente ou futuro, e todos esses pensamentos existirão totalmente apenas neste eterno e intemporal Agora. Portanto, novamente: não é difícil atingir o Agora intemporal; é impossível evitá-lo. E é por isso que sua consciência presente, exatamente como está agora, é uma Consciência Iluminada – “a mente cotidiana, apenas isto, é o Tao” – em outras palavras, “sua mente cotidiana, sempre presente, assim como é, está Iluminada”. E é por isso que você não pode alcançar a Iluminação. Sua mente cotidiana, assim como está surgindo neste momento, já está sempre vivenciando um eterno Agora e, portanto, é totalmente eterna, inteiramente Iluminada. Você pode não perceber isto completamente, mas esta é a única realidade que está realmente ocorrendo – SEMPRE.
Isto é bem interessante, mas eis o verdadeiro truque: todos os estados finais são em si mesmos eternos, quase por definição (qualquer coisa final deve ser eterna, certo?) – mas nós acabamos de ver que eterno não significa tempo para sempre, e sim intemporal – e intemporal significa totalmente presente a cada momento – e isso significa que esses estados finais estão sempre presentes – todos eles estão completa e inteiramente presentes em sua Consciência do jeito que ela está surgindo aqui e agora.
É por isso que as abordagens mais elevadas dos Grandes Caminhos da Libertação não lidam com meditação, contemplação ou oração – essas são excelentes práticas, mas tudo o que elas fazem é tentar trazer certos estados à existência, ou ajudá-lo a alcançar vários estados mais elevados – mas os estados mais elevados, os estados últimos, não podem ser alcançados, atingidos ou criados – porque eles estão sempre já total e integralmente presentes exatamente agora.
E se você realmente se propõe a tentar encontrar um Estado espiritual supremo, você está simplesmente assumindo que o Estado supremo não está presente agora e, assim, você continuamente nega sua existência tentando encontrá-lo – a busca em si assume continuamente que ela não está presente Agora – e, portanto, enquanto você o estiver procurando, NUNCA o encontrará. NUNCA. Desse modo as práticas mais elevadas das Grandes Tradições não são a meditação, a contemplação ou a oração; elas são chamadas de “instruções pontuais”. Uma vez que os estágios derradeiros estão completa e integralmente presentes em você agora, o professor simplesmente indicará esses estados, talvez os descrevendo singelamente até que você consiga realmente percebê-los. Uma instrução pontual é exatamente o que acabei de fazer com o Agora intemporal. Já que o Agora intemporal está totalmente presente em cada pessoa, tudo o que eu tive de fazer foi pontuá-lo, e você o percebeu. Você também percebeu que este Agora intemporal é tudo de que você está consciente, dando-se conta ou não. Você não pode atingi-lo ou alcançá-lo; você só pode constatá-lo, lembrar-se dele, confirmá-lo. E é isto que as instruções pontuais ajudam você a fazer – reconhecer algo que já está presente.
Trabalharemos, basicamente, com os dois mais elevados ou derradeiros estados de consciência; e esses estados já estão total e completamente presentes em você agora. Você está 100% consciente deles, neste momento. Você pode não perceber isto imediatamente – assim como provavelmente não percebeu que só estava consciente de um Agora intemporal até que eu o pontuei. E porque o Agora intemporal está sempre já presente, você pode vê-lo imediatamente. E é o que vamos fazer com esses dois mais elevados ou derradeiros estados. Ambos já são totalmente existentes – eles já estão integralmente presentes precisamente porque são sempre presentes, isto é, intemporais e eternos. Assim, vamos simplesmente pontuá-los.
Em suma, assim como você provavelmente não estava ciente do Agora intemporal até que eu o pontuasse, provavelmente não está ciente desses dois estados superiores e definitivos – não até que eles sejam apresentados. E é aí normalmente que surge a principal dificuldade com as práticas espirituais. Esses dois estados supremos são de fato eternos, o que significa intemporais, sempre presentes, total e integralmente manifestos neste momento. Mas mesmo que isso seja verdade, a maioria das pessoas não os percebe. Em parte, porque esses estados são tão óbvios a ponto de serem muito facilmente ignorados. Os tibetanos têm um ditado: “Muito fácil de acreditar, perto demais para ver”. Sem dúvida. Como dito por Meister Eckhart: “Deus está mais perto de mim do que eu de mim mesmo”. Absolutamente certo; e é por isso que é tão difícil perceber – é fácil demais, o que, às vezes, dificulta muito.
É aqui que entra o Tantra. E agora, eu vou passar a dizer-lhe cada uma das coisas que pontuarei esta tarde. Primeiramente, apresentarei os pontos importantes – e, em seguida, passarei o resto do tempo indicando algumas práticas para ajudá-lo a ver o que, de fato, já está acontecendo.
Você se recorda que muitas Tradições afirmam que temos cinco principais estados de consciência? Três estados relativos (denso, sutil e causal); e dois estados finais. O primeiro e menor dos estados derradeiros – que é o quarto estado geral – é conhecido por “turiya”, palavra em Sânscrito que significa literalmente “o quarto” – é o quarto estado além dos três primeiros, daí a razão de seu nome bem prosaico.
Este quarto estado, turiya, como todos os estados derradeiros, está sempre presente. É simplesmente a Consciência pura em si – não qualquer conteúdo da Consciência, apenas a própria Consciência. Você está consciente do que está acontecendo agora? Bem, esse é o estado de turiya, e você o perceberá desde que se concentre de fato nessa Consciência e pare de focar meramente seu conteúdo – esta é uma instrução pontual específica que exercitaremos daqui a pouco. Mas passamos todo o nosso tempo olhando para o conteúdo da Consciência – esta cadeira ou aquele computador ou este carro ou aquela montanha e assim por diante, indefinidamente – e nunca entramos em contato apenas com a Consciência em si, que é turiya.
Este quarto estado é frequentemente chamado de Testemunha, porque é apenas uma pura Consciência Testemunhante, que está consciente de cada coisa e evento que surge, mas sem nenhum julgamento, condenação ou identificação. Por isso, também é chamado de Mente Espelho, porque reflete uniforme e igualmente, sem reter, sem rejeitar – nada gruda.
Encontrar essa Consciência – novamente, não algum conteúdo da Consciência, apenas a Consciência em si – é descobrir a parte mais profunda que existe em você. Assim, esse estado turiya também é conhecido como seu Eu Verdadeiro, seu Eu Real, Purusha, Atman, o Novo Adão, consciência de Cristo, mente de Buda, Espaço infinito, puro Eu Sou. Eis outro ponto importante: a característica básica desta genuína Consciência Testemunhante é um senso de Liberdade radical, e uma Liberdade que você pode sentir diretamente agora. A Testemunha olha para a experiência da seguinte forma: “Eu tenho sensações, mas eu não sou essas sensações; eu tenho sentimentos, mas não sou esses sentimentos; eu tenho pensamentos, mas eu não sou esses pensamentos – eu sou uma Testemunha pura, clara e aberta de todos eles…; mas não me identifico com nenhum deles” – e, desse modo, a Testemunha vivencia uma profunda Liberdade: não se identifica com sentimentos, está consciente de sentimentos, por isso está livre deles – possui sentimentos, não é possuída por sentimentos. E a Testemunha não se identifica com pensamentos; ela está consciente de pensamentos, mas está livre deles – tem pensamentos, pensamentos não a têm. Sempre que você está verdadeiramente Consciente de algo, você está Livre dele; a Consciência total traz uma Liberdade total.
A Testemunha em você, exatamente agora, está Consciente de absolutamente tudo o que está surgindo – é uma vasta Abertura ou Clareira em que todas as coisas e eventos emergem, agora, momento a momento. Quando realmente descobrir a Testemunha – e nós daremos instruções pontuais mais detalhadas daqui a pouco – você encontrará uma Liberdade profunda do mundo inteiro, uma impressionante liberação de tudo que o prende. Essa descoberta do seu Eu Verdadeiro é o começo da Iluminação; e é por isso que a Iluminação é chamada de “a Grande Libertação”.
Então, que Sentimento acompanha essa profunda Liberdade? Eis outro ponto importante: de acordo com as Tradições, embora possam surgir vários sentimentos, o Sentimento mais comum desta completa Liberdade é uma imensa Alegria, um profundo Êxtase, uma Felicidade essencial, uma intensa Bem-aventurança – é o seu Coração com um “big smile button”. E qualquer um desses termos servirá – Alegria, Felicidade, Êxtase; mas o mais comum é Bem-aventurança. A palavra em Sânscrito para “bem-aventurança” é ananda. É por isso que se diz que a Realidade suprema é SatChitAnanda – ou Ser, Consciência e Bem-aventurança. Se você realmente vivenciar a Grande Teia da Vida, sentirse- á inundado de Felicidade extática, Bem-aventurança profunda, em cada célula do seu ser. Praticamente todas as grandes escolas tântricas de todo o mundo sustentam que a descoberta do seu Eu Verdadeiro e da Unicidade Divina – a Iluminação em si – é marcada por “maha-sukha” ou Grande Bem-aventurança. Quando descobre seu Eu Verdadeiro, você fica muito, muito Feliz, em cada ponto do seu corpo. Chamemos essa Bem-aventurança suprema de “Grande Bem-aventurança”, para indicar que é um estado final, eterno, intemporal e sempre presente.
E uma vez que este é um estado final, significa que o sentimento de Grande Bemaventurança é um sentimento sempre presente, é um sentimento que está totalmente presente neste momento – mas, assim como o eterno Agora, não é algo que você reconheça naturalmente. E é exatamente aqui onde entra o Tantra sexual, porque um dos sentimentos de sexualidade mais comuns, o orgasmo, é um êxtase intenso ou de grande bemaventurança. Ora, essa felicidade sexual, esse êxtase orgástico, é apenas um estado relativo. Isto é, temporal, existe no fluxo do tempo; ele virá, ficará um pouco e depois passará. Mas usando técnicas que abordaremos daqui a pouco, você pode usar esses sentimentos temporários de êxtase sexual como uma forma de reconhecer, relembrar e aguçar o sempre presente Sentimento de Grande Bem-aventurança. Ao experienciar o êxtase sexual finito, você usará esses sentimentos finitos como um lembrete, uma indicação, para os sentimentos mais profundos da sempre presente Grande Bem-aventurança – ou Alegria radiante ou Felicidade profunda, o termo que melhor funcionar para você. Você transferirá os sentimentos da bem-aventurança sexual temporária diretamente para a Testemunha sempre presente e, como essa Testemunha Bem-aventurada, você, uniforme e igualmente, estará consciente de tudo que surge momento a momento. O notável psicólogo Abraham Maslow descreveu esse estado como sendo, não uma experiência de pico, que vem e vai, mas uma experiência de platô, que é mais permanente. Ele diz: “Podemos aprender a ver de uma forma unitiva quase a nosso bel-prazer. Assim, transformamo-nos em uma testemunha com uma serena bem-aventurança cognitiva.” Eis a Testemunha Bemaventurada. Em suma, tudo o que você precisa saber sobre o quarto e derradeiro estado de consciência é: a Grande Bem-aventurança é o Sentimento de infinita Liberdade da Testemunha pura – Bem-aventurança é o Sentimento de Liberdade da Testemunha. E você pode usar a sexualidade como uma indicação direta para esse eterno, intemporal e sempre presente estado do seu próprio Ser mais profundo. Falaremos exatamente sobre como fazer isso daqui a pouco.
Em seguida, olharemos para o quinto e mais elevado estado, conhecido como “turiyatita”, que significa “além de turiya” ou além do quarto estado. Ele está além da Testemunha porque a sensação de que existe uma Testemunha, que se afasta e observa imparcialmente tudo, dá lugar a uma Consciência unificada completamente não dual que é radicalmente una com tudo. Você não testemunha a montanha, você é a montanha; você não vê as nuvens, você é as nuvens; você não está nesta sala, esta sala está em você. Uma sensação de Liberdade dá lugar a uma sensação de Plenitude – Plenitude total, radical. O Mundo todo surge dentro de você – e você é Isto – um estado que os tibetanos chamam de “Sabor Único”. O universo inteiro é Sabor Único, e esse Sabor é Divino; e é isto que você verdadeira e profundamente é – os Sufis chamam este estado de “a Identidade Suprema”, porque você é um com a Essência do Ser Total e, portanto, um com o universo inteiro – e essa é a maior identidade que você pode ter – a Identidade Suprema. À medida que sua Consciência se aprofunda além da Testemunha, ela se abre diretamente para a Plenitude deste Sabor Único, e você está verdadeiramente em Casa. O universo inteiro está coberto de chocolate e você acabou de engoli-lo.
Então, que Sentimento surge com essa Plenitude total? Amor. Óbvio, não? Como o Evangelho de João diz simplesmente: “Deus é Amor”. Mas – e isto é importante – esse não é apenas amor relativo, que existe no tempo, e vai e vem, fica um pouco e se afasta, e encontra um oposto no ódio ou no medo. Esse é o Amor definitivo, radical, infinito, o Amor que move o sol e outras estrelas, o Grande Amor que é a Essência suprema de sua própria Condição mais verdadeira. Por fim, essa Unicidade Amorosa é um estado sempre presente, embora a maioria das pessoas intua apenas pedacinhos dele, geralmente quando a aplica a alguém que ama individualmente – seu cônjuge ou seu filho, etc. Mas o Grande Amor ama absolutamente todas as coisas e eventos existentes, e faz parte da Essência do seu próprio ser. A natureza absolutamente inclusiva desse Grande Amor radical é tão completamente abrangente, a ponto de muitas pessoas inicialmente a acharem chocante… como veremos. Ora, muitas pessoas têm dificuldade em reconhecer esse Grande Amor realmente infinito, e é aqui, novamente, onde entra o Tantra sexual. Porque um dos sentimentos mais comuns associado ao sexo é um sentimento de unidade amorosa. Especialmente, se você ama seu parceiro ou parceira, frequentemente sentirá durante o sexo que ambos se fundem em uma unidade amorosa ímpar. De fato, a analogia mais comum que os místicos do mundo inteiro usam para a sensação de Unidade Divina é a experiência da união sexual. E você fará a mesma coisa com essa unidade amorosa como fez com a Bem-aventurança-e-a- Testemunha – durante o sexo, sempre que qualquer um desses sentimentos de unidade amorosa surgir, você o usará para lembrar-lhe, e pontuar diretamente, o Grande Amor sempre presente do Sabor Único. A forma que a Plenitude radical do Sabor Único de fato assume é um Amor absolutamente abrangente – e esse Amor envolve todo o universo – cada simples coisa e evento do todo o mundo está embebido nesse Amor infinito. Você consegue imaginar tanto Amor em sua vida? Bem, ele está ali, esperando por você. Em suma, tudo o que você precisa saber sobre o quinto estado de consciência é: o Grande Amor é o Sentimento de Plenitude radical do Sabor Único – Amor é o Sentimento de Plenitude do Sabor Único. À medida que você se torna proficiente nisso, embora a sensação sexual, temporal, finita de unidade amorosa afinal irá desaparecer, o Sentimento sempre presente de um Sabor Único Amoroso não vai, e cada vez mais transformar-se-á em uma sensação constante no âmago do seu Ser – não apenas uma experiência de pico, mas uma experiência de platô.
Então, aqui estão todos os pontos importantes em duas frases: Bem-aventurança é o Sentimento da Liberdade da Testemunha; e Amor é o Sentimento da Plenitude do Sabor Único. E você pode gerar esses sentimentos infalíveis – Bem-aventurança e Amor – enquanto a bússola aponta para a Iluminação toda vez que você faz amor. Eis, assim, os Sentimentos da Iluminação. Vamos agora percorrer brevemente todos esses pontos e dar instruções pontuais para cada um deles. Essas são práticas que você pode usar todos os dias da sua vida, se quiser. E quanto mais você as usa, mais o sombrio estado de espírito depressivo da pós-modernidade dará lugar a um platô de Beatífica Harmonia Amorosa que permeará todo o seu Ser. Comecemos pelo quarto estado de consciência, turiya ou Testemunha sempre presente, o primeiro dos estados finais. Quanto a instruções pontuais, comece simplesmente por estar consciente do que você chama de seu “eu” – esteja ciente de tudo o que você considera como seu “eu” – e depois descreva em pensamento esse eu, como se estivesse falando com alguém sobre ele. Talvez você diga: “Meu nome é fulano, minha altura é X, peso Y quilos, tenho Z anos. Eu frequentei as escolas A, B e C, e atualmente trabalho em tal empresa, meu salário é D, estou em um relacionamento há E anos, moro nesta cidade, meu carro é da marca tal, gosto desse tipo de filmes e desses tipos de livros”, e assim por diante. E esse é você, o que você chama de eu.
Mas observe que existem dois eus aqui. Um é o eu que você acabou de descrever, o eu que você pode ver como um objeto, do qual você consegue estar ciente e descrever. É o seu eu visto como um objeto ou um conteúdo de Consciência. Mas além do eu que pode ser visto, o eu que é um objeto, existe o Eu que está vendo, o Eu que é um Sujeito real, não um objeto; o Eu que é o verdadeiro Observador, e não algo que é observado. O Eu Real não pode ser visto, não mais do que um olho pode ver a si mesmo ou uma língua pode provar a si mesma – é o Observador, o Eu verdadeiro, um genuíno Sujeito de Consciência, não um objeto da Consciência. É a própria Consciência, não qualquer conteúdo da Consciência. Assim, as Tradições afirmam que este Eu Real é “neti, neti”, que significa “nem isto nem aquilo”. Não é esta coisa que pode ser vista, não é aquela coisa que pode ser vista, é o Observador, o Eu verdadeiro, a Testemunha pura, e não qualquer coisa que possa ser testemunhada. Portanto, aqui estão algumas instruções pontuais para essa Testemunha pura, ou o Eu Real (e simplesmente deixe que estas afirmações se apliquem à sua própria Consciência): “Eu vejo aquela montanha, mas não sou aquela montanha. Eu vejo esta cadeira, mas não sou esta cadeira. Eu tenho sensações, mas não sou essas sensações. Eu tenho sentimentos, mas não sou esses sentimentos. Eu tenho desejos, mas não sou esses desejos. Eu tenho pensamentos, mas não sou esses pensamentos. Ao contrário, eu sou uma vasta, aberta, vazia Clareira ou Abertura na qual todos esses objetos surgem, momento a momento e, mesmo assim, não sou nenhum deles. Eu sou um amplo Vazio ou Espaço, uma Testemunha pura – eu sou a Consciência genuína, não qualquer conteúdo ou objeto da Consciência. O mundo inteiro de objetos – TUDO – surge na minha Consciência, e eu sou neti, neti – não sou isto nem aquilo. Eu sou o que resta – um vasto Espaço ou Vazio ou Clareira ou pura Abertura na qual tudo isso surge, uma imóvel Testemunha de tudo.” Portanto, quando você vai em busca do seu Eu Real, o puro Observador, a verdadeira Testemunha, você não vê nada, nem fora nem dentro. Ou, mais precisamente, o que quer que você veja está bem – é apenas outro objeto, não é o genuíno Sujeito, não é o Eu Real, que está observando e é, em si mesmo, apenas uma vasta Abertura ou Clareira ou Testemunha imóvel. Assim, a lista de coisas que você usou para descrever o seu eu não se aplica ao seu Eu Real. Essa lista aplica-se apenas ao eu-objeto, o eu convencional e finito, o ego, o eu que pode ser visto como um objeto – e, portanto, nenhum item dessa lista inteira apresentada por você se aplica ao seu Eu Real. Essa lista é apenas um conjunto de coisas que você NÃO é.
O ponto fundamental deste passo é entender verdadeiramente que qualquer coisa que você consiga ver – qualquer coisa lá fora ou aqui – são todas apenas objetos, são todas coisas que podem ser vistas; elas não são o Observador, elas não são o Eu Real, elas não são a Testemunha. Eles são conteúdos da Consciência, não são a Consciência em si. O mestre zen Shibayama chama o Eu Real de “Subjetividade Absoluta”, porque é um Sujeito puro, não um mero objeto; é um Eu Verdadeiro com Consciência Testemunhal, e não apenas um objeto ou conteúdo dessa Consciência.
E é por isso que, quando você procurar pelo Eu Real, a verdadeira Testemunha, você não verá nada em particular; tudo o que você começará a notar é uma vasta extensão de Liberdade, pura Liberdade. Porque seu Eu Real é neti, neti – nem isto nem aquilo – e, portanto, está Livre disto e Livre daquilo. Assim: “Eu tenho sensações, mas não sou essas sensações; estou Livre delas. Eu tenho sentimentos, mas eu não sou esses sentimentos; estou Livre deles. Eu tenho pensamentos, mas não sou esses pensamentos; estou Livre deles.” O seu Eu Real é apenas este sentimento de Liberdade infinita – de Libertação radical, de completo Desapego. Portanto, se você está sentindo ansiedade, por exemplo, e isto realmente o perturba, é porque você ainda está identificado com ela. Se você simplesmente a Testemunhar – “eu sinto ansiedade, mas não sou ansiedade” – ela deixa de ser um problema. Você tem ansiedade, ela não tem você. Você não é mais a vítima da Vida, você é a Testemunha da Vida.
Ramana Maharshi chamou o Eu Real de “Eu-eu”, Eu-hífen-eu, porque, quando você está consciente de si mesmo, consciente do seu eu como um objeto, é seu Eu Real que está consciente desse eu – é o Eu-eu, a Grande Mente ou a Testemunha que está consciente da pequena mente ou do ego objetivo. Agora, vamos tentar o seguinte: de novo, simplesmente esteja consciente de si mesmo – e o que está Consciente de si mesmo agora, isto que está Testemunhando seu eu é o seu Eu Real, seu Eu-eu, turiya, a Testemunha. E quando você busca essa Testemunha, você não vê nada em particular; tudo que você nota é uma vasto Vazio, uma Liberdade radical, uma pura Abertura ou Clareira na qual surgem todos esses objetos, momento a momento, mas você não é nenhum deles; está completamente Livre de todos eles. Mais uma vez, é pura Consciência em si, não um mero objeto ou conteúdo da Consciência.
E essa Consciência pura em si é Deus – a Identidade Suprema. Quando você está consciente de si mesmo, é Deus diretamente consciente de você. E o Verdadeiro Você – seu Eu Real – é Deus, a Testemunha Suprema. Como é dito nos Salmos: “Aquietai-vos, e sabei que EU SOU Deus”.
Aqui está exatamente o que isso significa. Continuamos com esse tipo de “desidentificação radical” – “eu não sou isto, não sou aquilo”. À medida que continuamos a perceber que “eu não sou isto, não sou aquilo”, logo não haverá identidade com isto ou com aquilo, e tudo o que restará é uma pura qualidade de EU SOU, uma simples sensação de EU SOU – não que EU SOU isto ou que EU SOU aquilo, não que EU SOU este corpo ou que EU SOU este pensamento ou que EU SOU este desejo, mas apenas um genuíno sentimento de EU SOU. O Eu Real é sua própria característica fundamental de EU SOU – apenas a percepção simples, imediata e sempre presente de seu próprio Ser. Este senso de EU SOU é a Testemunha, uma Realidade intemporal sempre presente – e as Tradições são unânimes que este puro EU SOU, esta Consciência livre de conteúdo, é uma manifestação direta do Espírito em si – e esse é o verdadeiro significado da Identidade Suprema. Lembrese de que uma definição tradicional do Espírito absoluto é SatChitAnanda – Sat significa Ser puro; Ananda, vimos, significa Bem-aventurança; e Chit significa Consciência pura antes de estar Consciente de algo; somente Consciência pura, não o conteúdo da Consciência; apenas a Testemunha pura, o próprio EU SOU, seu Eu Real, radicalmente uno com o Espírito.
Quando Moisés perguntou a Deus quem ele, Moisés, deveria dizer às pessoas que o havia enviado, a resposta foi: “EU SOU quem EU SOU” – pura Essência de EU SOU. Isto é exatamente o que Cristo exprimiu quando disse: “antes que Abraão fosse, EU SOU” – essa foi uma intuição exata dessa Testemunha fundamental e intemporal ou eterna. Seu próprio EU SOU carrega a mesma intemporalidade e verdadeira eternidade. Pense no que você estava fazendo há uma semana exatamente a esta mesma hora. Provavelmente, você não conseguirá lembrar-se de detalhes precisos de seus pensamentos ou comportamento, mas uma coisa é certa: a sensação de EU SOU estava presente. Pense no que você estava fazendo há um mês e, novamente, mesmo que não seja possível lembrar-se de detalhes, você sabe que EU SOU estava lá – e é a mesma sensação de EU SOU que você tem agora, porque EU SOU, como o puro Observador, não tem qualidades ou características que possam mudar ao longo do tempo (é neti, neti). Não há nada que se mova no tempo – é uma radical Liberdade ou Clareira de tudo que é temporal; é Vazio puro e ilimitado, “neti, neti” intemporal.
É por isso que a Testemunha é frequentemente chamada de “Consciência Imutável Ilimitada”. Então, há uma semana, há um mês, há um ano, há uma década, há um século, há um milênio – ainda é o único e o mesmo EU SOU presente em cada período. Eis um famoso koan do Zen: “Mostre-me sua Face Original, o rosto que você tinha antes de seus pais nascerem.” E eles dizem isto seriamente – isto não é simbólico ou metafórico; é literal! Mas não significa que sua Face Original existiu em um tempo que foi cronologicamente anterior ao tempo em que seus pais nasceram. Não, sua Face Original, seu Eu Verdadeiro, é quem você realmente é antes que a ilusão do tempo seja criada. É quem você é no Agora intemporal; é quem você é na eternidade, não na temporalidade. Então, um ano atrás, uma década atrás, um século atrás, um milênio atrás – o mesmo intemporal e sempre presente EU SOU que não entra no fluxo do tempo e, portanto, existe antes do nascimento de seus pais, antes do nascimento deste sistema solar, antes do Big Bang e antes do fluxo do tempo. Tudo bem até aqui? Começando a perceber? Erwin Schroedinger, o cofundador da moderna mecânica quântica, conta uma bela história sobre uma pessoa que, diz ele, há muitos séculos sentou-se no mesmo lugar em que você está agora; como você, essa pessoa parecia sentir saudade em seu coração enquanto assistia ao pôr do sol; como você, ela nasceu de uma mulher e sofreu; como você ela tinha aspirações, objetivos, desejos; como você ela teve sonhos e visões e ansiou por poder. E então a conclusão impactante: “Seria ela outra pessoa? Não seria você mesmo?”
Em outras palavras, o puro EU SOU daquela pessoa é o mesmo EU SOU que você é agora. As Tradições são absolutamente unânimes aqui: o número total de EU SOU é apenas um – um Eu, um Espírito, uma Realidade (ou como diz Schroedinger: “a consciência é um singular cujo plural é desconhecido”). Um verdadeiro EU SOU não tem características – mais uma vez, é neti, neti; não é isto, não é aquilo; ele apenas é sentido como uma Liberdade infinita – e esse puro EU SOU está realmente olhando através dos olhos de todas as pessoas. EU SOU é um singular cujo plural é desconhecido. E é por isso que cada um de nós pode dizer com sinceridade: “antes que Abraão fosse, EU SOU”.
Então, como essa Liberdade radical é realmente sentida? É aqui que os Sentimentos de Iluminação entram em cena. Lembre-se de que vimos que o principal sentimento associado a turiya (ou o quarto estado da Testemunha) é uma Alegria profunda, uma Felicidade extática ou uma Bem-aventurança radiante. A Liberdade é geralmente uma liberdade das restrições, uma liberdade do confinamento, uma liberdade de algo prendendo você – e esse tipo de liberação é normalmente associado a uma profunda Felicidade ou a uma verdadeira Alegria de estar livre. Como se você tivesse ficado preso injustamente por anos e, então, fosse libertado; ao sair da prisão para o ar fresco, como você se sentiria? – FELIZ!!! O mesmo acontece com o Eu Verdadeiro ou Testemunha – que é neti, neti, liberto do mundo manifesto inteiro; essa imensa quantidade de Liberdade é recebida com uma igualmente imensa quantidade de Felicidade extática ou Bem-aventurança verdadeira. Mas não importa como expliquemos isto, o fato é que a maioria das Grandes Tradições Tântricas associa a Grande Libertação a uma profunda Liberdade que gera uma grande Bemaventurança, uma intensa e extática Felicidade Alegre. Portanto, o que nós queremos perceber não é apenas a Liberdade da Testemunha, mas a profunda Bem-aventurança da Liberdade da Testemunha. Em suma, queremos reconhecer a Testemunha Beatífica.
E é aí que entra em cena o sexo verdadeiro. Aqui estão algumas instruções simplificadas. Ao iniciar a atividade sexual (e ela pode ser hétero, gay, lésbica, trans, bi, ou qualquer outra das mais de cem diferentes orientações de gênero atualmente reconhecidas pela Esquerda radical), comece mantendo-se na Testemunha (já que estamos focando a Bem-aventurança).
Portanto, assuma a postura da Testemunha e inicie a prática sexual como preferir. O único detalhe que você quer fazer diferente é: como a Testemunha, você não se identifica com nenhum objeto, mas é meramente a pura Testemunha de qualquer um deles; no entanto, nesta prática específica, comece a perceber qualquer sensação de prazer, não importa de onde ela se origina, e identifique-a francamente com a Testemunha. À medida que o orgasmo se aproxima, prepare-se para perceber os intensos sentimentos que surgem com ele e direcione-os inteiramente à Testemunha. Ao sentir o começo do êxtase orgástico, sinta diretamente que esse êxtase é o mesmo que o seu Eu da Testemunha, e olhe realmente para o mundo através desta Testemunha abençoada. Sinta a felicidade de ser absolutamente uno com a própria Testemunha; e sinta essa Bem-aventurança olhando para o mundo inteiro em todas as direções.
Em outras palavras, use a pequena felicidade da liberação sexual para lembrar, evocar e ressaltar imediatamente a verdadeira Grande Felicidade que já está presente na própria natureza da Testemunha em si. Você está usando a intensidade de um pequeno êxtase sexual temporal para lembrá-lo, imediatamente, de uma sempre presente Grande Felicidade intemporal. Sinta de fato esse êxtase sexual e sinta profundamente também a Testemunha, permitindo que essa intensa felicidade sexual o faça lembrar de, e direcione-o diretamente para, uma Bem-aventurança imensamente maior, que se estende ao infinito. A pequena felicidade é pequena porque localiza-se em um espaço relativamente pequeno – parece preencher uma área dentro de seu corpo, ou se expande para uma área maior imediatamente ao redor do seu corpo, ou talvez consiga preencher o ambiente em que você se encontra; mas a Grande Felicidade expande-se preenchendo todo o universo – simplesmente deixe a felicidade sexual se expandir e abraçar o Mundo inteiro, radiante, extática, alegre. A Grande Felicidade é realmente Grande – engolfando o Kosmos inteiro. A pequena felicidade afinal acaba; a Grande Felicidade não. Portanto use essa pequena felicidade transitória para evocar, ressoar, relembrar, ajudar a gerar a Felicidade definitiva que existe sempre já de qualquer maneira.
E assim: Bem-aventurança é o Sentimento da Liberdade da Testemunha. E essa é uma prática que você pode facilmente fazer a cada dia da sua vida, se quiser. Portanto, SatChitAnanda: você vivencia Sat ou Ser toda vez que você se coloca como EU SOU; você percebe Chit ou Consciência toda vez que você se mantém como a Testemunha pura; e você sente Ananda ou Bem-aventurança toda vez que você reconhece o Sentimento extático da Liberdade infinita do seu Eu Real. Muito bem, vamos em frente: observe que esse Eu Verdadeiro (ou Eu Real ou Testemunha pura), como turiya ou o quarto estado, não é bem a suprema Realidade Não Dual de Sabor Único (que é o quinto e derradeiro estado). Esse Eu da Testemunha é bem real, é intemporal e eterno – mas ainda não é o último.
O passo final necessário é continuar Testemunhando, permanecendo como um Observador imperturbável que Olha para cada coisa de maneira uniforme e sem julgamento, e depois, gentil, mas completamente, relaxa esta Testemunha em tudo que está sendo testemunhado. Desse modo, você deixa de Olhar a montanha para simplesmente ser a montanha; você não vê mais as nuvens, você é as nuvens; você não sente mais a terra, você é a terra. “Lá fora” e “aqui dentro” evaporam em “apenas isto” – esta presente experiência única de Quididade ou Essencialidade – em outras palavras, Sabor Único. Um modo de ajudar a reconhecer esse estado final de unidade é uma metáfora simples que Douglas Harding apresentou, chamada de “não ter cabeça”, que é um tipo de instrução pontual para o Sabor Único. Pela minha experiência, cerca de metade das pessoas que o tenta consegue imediatamente e cerca de metade não consegue. Se você não conseguiu, não se preocupe; você vai conseguir em algum momento. Portanto, como Harding explica, observe neste momento que você não pode realmente ver sua cabeça – não efetiva e diretamente. Se você se concentrar na área onde sua cabeça está, tudo o que verá são apenas duas manchas carnudas, que são o seu nariz. Mas, na verdade, não é bem assim. Então, vamos verificar isso de perto. Eu vou apontar para algo que já está realmente ocorrendo em sua consciência, mesmo que você possa não ter notado ainda; digamos que você está olhando para a [mesa no palco]:
Ao olhar para esse objeto, se você se concentrar na área da sua cabeça, perceberá que, em vez de ver uma cabeça entre seus ombros, o que você realmente verá é a mesa entre em seus ombros, exatamente onde sua cabeça costumava estar. A mesa não está “lá fora”, do outro lado do seu rosto; na verdade, está aparecendo “aqui mesmo”, desse lado do seu rosto – o objeto, na verdade, está aparecendo dentro de você – está aparecendo exatamente no espaço em que sua cabeça costumava estar. Está bem aqui entre seus ombros, bem no espaço onde você achava que sua cabeça estava.
Se ocorre esse insight, você percebe que, não importa o que esteja vendo, não há um dualismo “aqui dentro” separado de um “lá fora”, como se você se afastasse e olhasse – há uma experiência singular “apenas isto”, que é o objeto que surge sobre seus ombros exatamente onde sua cabeça costumava estar. “Lá fora” e “aqui dentro” começam a não fazer sentido; não há separação entre sujeito e objeto, entre observador e observado; há apenas uma experiência única do presente, e você é a singularidade dessa experiência única – você não vivencia sua experiência presente, você é sua experiência presente, você é uno com sua experiência presente. Em outras palavras, momento a momento, o universo inteiro está surgindo dentro de você, é completamente um com você – e este é o Sabor Único não dual.
Quando você percebe que tudo o que parecia estar “lá fora” é completamente um com você, então a própria sensação do espaço “deste lado do seu rosto” – já que agora é perfeitamente uno com tudo “lá fora” – o espaço da sua cabeça explode para incluir ou abraçar a extensão total de tudo “lá fora” – expande-se para incluir a vasta extensão do Espaço Total, e você agora é completamente um com cada pedacinho desse Espaço Total (que está surgindo exatamente onde sua cabeça estava – sua cabeça, e seu próprio Ser, agora é TUDO). Você não tem uma cabeça, você tem um universo. Então, permita de fato que o eu se desenrole na vasta extensão do Espaço Total. Você é um com tudo o que está olhando. Isto é a dualidade sujeito/objeto colapsando em uma experiência unitária ímpar de Não Dualidade – ou Sabor Único. É a simples constatação de que você não é um eu isolado que surge dentro da fronteira da pele, mas sim que você é um com TUDO da sua experiência presente exatamente agora – você é verdadeiramente um com tudo, um com o Todo – uma Identidade Suprema radical. Então, você está vendo tudo isso, tudo o que está surgindo aqui? Bem-vindo ao seu Eu Real, perfeitamente como ele é, uma simples Quididade ou Essencialidade ou Entidade.
Quando se trata de “não ter cabeça”, eu sempre cito Trungpa Rinpoche. Perguntaramlhe como é realmente a Iluminação, e ele respondeu: “O céu se transforma numa grande panqueca azul e cai na sua cabeça.” Isto é engraçado, mas é exatamente o que acontece. O que você pensava ser um “céu” que estava “lá fora” ou “lá em cima” é, na verdade, uma grande panqueca azul que está exatamente onde você achava que sua cabeça estava – e não há distância entre você e o céu – você é esse céu, e ele está bem na sua cabeça, sem separação alguma. Você pode até saborear o céu; ele está tão perto.
Tudo isso significa que essa simples metáfora – “não ter cabeça” – acaba sendo um exemplo muito fácil e óbvio de uma Consciência sempre presente que é pura turiyatita, uma genuína Consciência de Sabor Único. Com o truque de perceber que não temos cabeça – e que o mundo inteiro de fato surge exatamente onde nossa cabeça costumava estar, e nós somos radicalmente Um com esse Mundo completo – estamos realmente nos conectando a uma realidade intensamente profunda onde não há sujeito versus objeto, nem o mundo está dividido em uma classe que vê e uma classe que é vista; em vez disso, ele surge como uma totalidade única que é inconsútil, mas não sem características; e se você sente seu “eu” (que muitas pessoas acham estar “localizado” na cabeça) e depois essa “totalidade”, verá que é exatamente o mesmo sentimento (a grande panqueca azul caiu na sua cabeça) – e, portanto, você não mais testemunha o mundo, você é o mundo. Desse modo, você não está tendo uma experiência agora, você é sua experiência, toda ela, a sublime totalidade de tudo que está surgindo; e você é isto. Como disse um mestre zen: “Quando ouvi o som do sino tocando, não havia ‘eu’ nem sino, apenas o toque.”
Então, quando se trata de Tantra sexual, comece por entrar em uma postura não dual e sem cabeça de Sabor Único – por qualquer meio que funcione para você. Se você não conseguir atingir o estado de Sabor Único, tudo bem, chegue o mais perto possível e simplesmente prossiga. A questão é que os sentimentos sexuais evocados vão atuar como ponteiros – como instruções pontuais concretas – ajudando você a identificar e reconhecer a Unidade Amorosa mais profunda, sempre presente e radical que está, exatamente Agora, refletindo a total Plenitude do seu próprio Sabor Único.
Portanto, quando você se envolver em sexo, preste especial atenção a qualquer sensação de ardente conexão, de profundo cuidado, de carinhoso abraço – particularmente aquele sentimento de unidade amorosa com seu parceiro ou parceira. Esteja especialmente aberto aos sentimentos de união amorosa – na verdade, procure por esses sentimentos durante o sexo. Lembre-se, o Grande Amor já está totalmente presente em cada momento da sua existência. Da mesma forma que o Agora intemporal, o Grande Amor é uma realidade sempre presente (independentemente de você se dar conta dele ou não); assim, use o sexo para ajudar a encontrá-lo. O sentimento sexual de unidade ardente e harmonia amorosa lhe proporcionará uma pista imediata da maravilhosa Plenitude Amorosa que você começa a sentir, quase constantemente, à medida que desperta mais profunda e diretamente para o Sabor Único e pura Quididade.
A questão é simplesmente começar a usar a pequena, relativa e finita união amorosa do intercurso sexual para lembrá-lo diretamente de evocar e salientar a sempre presente Unidade Amorosa de sua própria Consciência não-dual. Durante o sexo, sempre que você sentir a intensidade de algum tipo de toque amoroso, ou cuidado, ou ternura, ou qualquer tipo de abraço afetuoso ou unidade – foque nele, vivenciando-o e aplicando-o diretamente à Plenitude do Sabor Único que você almeja conhecer. Mesmo que você ainda não tenha acessado totalmente o estado de Sabor Único, essa prática é simples: chegue o mais perto possível que conseguir do Sabor Único e comece a atividade sexual; e bem no momento em que, por exemplo, você sentir um amor irresistível pelo seu parceiro ou parceira – “Eu te amo tanto!” – aproprie-se desse sentimento de amor e permita que ele se expanda e se aplique ao Mundo inteiro. Olhando para a vasta extensão “lá fora”, expanda imediatamente esse sentimento de “Eu te amo tanto!” e aplique-o à cena completa. Arroje-se em unidade amorosa direta com tudo o que está surgindo agora – permita que o eu se desdobre na vasta extensão do Espaço Total. Você tende a se sentir uno com qualquer coisa que você ame profundamente – assim, não pare; ame absolutamente TODOS, ame TUDO sem exceção, ame até doer (como Madre Teresa costumava dizer).
Sempre que você quiser saber como seria exatamente ser um com o mundo inteiro, apenas pense em seus sentimentos de ser um com seu parceiro ou parceira e permita que esses sentimentos se expandam e incluam o universo inteiro. Ou, mais precisamente, use esses sentimentos de unidade amorosa com seu parceiro ou parceira para reconhecer e sentir uma Unidade Amorosa similar que já está presente em seu Coração e já abraça o Mundo inteiro – esta é a Plenitude do seu sempre presente Sabor Único. De qualquer maneira, permita que seus sentimentos de amorosa unidade sexual se expandam e envolvam todo o universo – é um Kosmos coberto de chocolate; engula-o inteiro. E um pouco de atenção aqui. Este Grande Amor é de fato radical. “Absolutamente inclusivo” significa completamente, totalmente, TUDO INCLUÍDO; nada é deixado de fora, não importa quão trivial, desagradável ou profundamente negativo. É tão completamente abrangente que, como mencionei anteriormente, muitas pessoas inicialmente se chocam. Eu amo esse rio, amo as estrelas e amo aquela cordilheira. Eu amo meus amigos, amo minha família e amo meus muitos colegas. Eu amo aquele ataque terrorista, amo desastres ecológicos e amo o aquecimento global. Eu amo Black Lives Matter, amo supremacistas brancos e amo o Talibã. Eu amo a úlcera hemorrágica do meu amigo, amo o câncer metastático e amo aquele derrame cerebral recente. Eu amo o colapso econômico, amo tumultos no centro da cidade e amo o vírus HIV. Você… começa… a … perceber… o… quadro. Tudo incluído significa incluir realmente TUDO.
Portanto, esta é uma prática genuína: pense nas coisas mais horríveis que conseguir e, em seguida, procure o Amor infinito em você que já ama completamente essas coisas, não importa quão miseráveis. Esse Amor infinito já está lá (como uma parte intrínseca da Essência do Ser Total); simplesmente procure por ele – faz parte da prática real. Ser uno com a Essência do Ser Total é sentir-se unido a literalmente cada coisa e evento que existe no Kosmos inteiro – você é Isto! Está tudo surgindo no seu interior, no âmago do seu Ser mais profundo. E se você não sente esse infinito Amor universal, é porque existem algumas coisas que, simplesmente, não consegue se ver amando e, assim, você não as Ama, não percebendo a Essência dessa pura Unidade Amorosa. Você é a Luz do Mundo, e isso significa TODA ela – não apenas uma luz aqui e nenhuma luz ali – não é assim que funciona. “Eu, o Senhor, faço a luz cair sobre os bons e os maus; Eu, o Senhor, faço todas essas coisas.”
E então, tudo bem? Portanto, quando se trata de sexo, transfira seu sentimento de amar seu parceiro ou parceira diretamente para Amar o mundo inteiro – TUDO, sem exceções. Comece fazendo amor com seu parceiro ou parceira e continue fazendo amor com o Universo, até tornar-se plenamente Um com ele – isto é o Sabor Único. Você vai do ego para a Testemunha para o Sabor Único. O céu, o mundo inteiro, é uma grande panqueca azul, e cai bem em cima da sua cabeça.
Assim, ao tentar realizar esse estado amoroso de Sabor Único durante a atividade sexual, o objetivo é permitir que os sentimentos sexuais se expandam e se apliquem ao Mundo inteiro, que é o que a Plenitude Amorosa do Sabor Único está sempre fazendo agora mesmo. Busque ativamente em sua consciência por essa Unidade Amorosa que já está transbordando e abraçando todo o Mundo em uma singularidade de Amor radical – seu próprio Sabor Único sempre presente. Sempre que você sentir uma direta unidade ou união com seu parceiro ou parceira, permita que o sentimento de unidade amorosa extravase desse local e se expanda para uma unidade com o universo inteiro – essa é a real Plenitude de um genuíno Sabor Único, e é sua Identidade Suprema, eterna e intemporal – você, que é a Verdade última, a Luz do Mundo inteiro.
Enfim, esse foi um breve passeio pelos Sentimentos da Iluminação. Nós vimos que esse Estado supremo tem duas grandes dimensões – turiya e turiyatita, ou a Testemunha transcendental e o Sabor Único não dual. A Testemunha, uma vez que transcende o mundo inteiro (é neti, neti), traz uma sensação de Liberdade radical (é daí que vem a noção de nirvana. E o nirvana é muito, muito real – não é conversa fiada teórica. Quando a fonte da consciência é rastreada até seus fundamentos em turiya ou genuíno EU SOU, o mundo inteiro propriamente dito para de surgir na Consciência, e essa pura cessação – essa Consciência livre de conteúdo – é o nirvana, onde o indivíduo está radicalmente Livre de tudo, inclusive até mesmo de sofrimento intenso. Vimos exemplos chocantes e clamorosos da realidade do nirvana durante a guerra do Vietnã. Em algumas ocasiões, monges protestando contra a guerra, assumiram a posição de meditação, entraram em profundo nirvana de “não isto, não aquilo”, encharcaram o corpo com gasolina e atearam fogo às vestes. E ali mesmo, com TV ao vivo, queimaram até virar cinzas; e nenhum deles titubeou. Essa Liberdade é extremamente real, não é algo que estamos inventando.) E, como temos dito, essa Liberdade não é apenas uma cognição, é um sentimento: Bem-aventurança (ou Alegria profunda ou Felicidade extática), e essa Bem-aventurança é o Sentimento da Liberdade da Testemunha. O mestre espiritual norte-americano Adi Da tinha uma prática de investigação: qualquer experiência que você tenha, simplesmente pergunte: isto é Felicidade? Se não se sentir profundamente Feliz, exatamente agora, você não está em contato com seu Eu Verdadeiro. (A propósito, independentemente do que você pense sobre Adi Da, ele foi um sujeito brilhante; note que no último nome que escolheu para si [Adi Da Love-Ananda Samraj] constam as palavras com as quais ele mais desejava se identificar: Love – Amor e Ananda – Bem-aventurança, exatamente os Sentimentos da Iluminação.) E enquanto a Bem-aventurança ou Felicidade extática é o sentimento da Liberdade da Testemunha, o Amor é o Sentimento da Plenitude do Sabor Único. Após dar um passo atrás e desindentificar-se completamente do Mundo inteiro, de modo que você não seja nada mais que a Testemunha Bem-aventurada, você dá um passo à frente e abraça o Mundo inteiro – e esta é a Plenitude do Sabor Único supremo. O Sentimento dessa Plenitude é um Amor radical, o Amor que de fato move o sol e outras estrelas.
Shankara costumava resumir todo o Vedanta em apenas três frases:
O mundo é ilusório.
Somente Brahman é real.
Brahman é o mundo.
Compreendeu? Todas essas três dessas realizações são necessárias. O mundo é ilusório, somente Brahman é real – isso significa a Testemunha. Como Testemunha, você se desidentifica completamente e se desapega totalmente de todos os objetos, todas as coisas, todas as entidades finitas – você se libera de todas as sombras na Caverna: eu sou neti, neti, eu não sou isto nem aquilo. Depois de ter percebido verdadeiramente o Vazio absoluto do Mundo inteiro – uma vez que percebeu que o mundo é ilusório e somente a Testemunha é real – então você está em condições de dar um passo adiante e abraçar completamente o mundo, todo ele, à medida que a Testemunha entra em colapso com tudo testemunhado – e, portanto, nesse ponto, Brahman é o mundo (Sabor Único não dual). E Sentimentos profundos acompanham cada um desses passos – uma Testemunha Bemaventurada e um Sabor Único totalmente Amoroso.
Você almeja alcançar esses sentimentos direta e completamente. E você pode usar suas versões manifestas e finitas de unidade amorosa e liberação extática encontradas na sexualidade como instruções pontuais para os Sentimentos infinitos em questão. Você simples, mas diretamente, assume os sentimentos de êxtase amoroso que surgem durante a prática sexual e expande os sentimentos provenientes de seu parceiro ou parceira para o Mundo inteiro – você literalmente faz amor com o Mundo, momento a momento a momento. Você absorve os sentimentos extremamente intensos de bem-aventurança extática e unidade amorosa que surgem durante o ato sexual e usa-os como indicadores para a Grande Bem-aventurança e Grande Amor que são sua Condição eterna e intemporal – os Sentimentos de Iluminação.
Vimos que para experienciar verdades eternas, não precisamos viver em algum tipo de duração temporal permanente ou, após a morte, em alguma morada celestial que se estende para sempre no tempo. Conhecemos a eternidade não vivendo para sempre, mas vivendo plenamente neste Agora. Portanto, eu repetirei uma última vez: não é difícil encontrar a eternidade; é impossível evitá-la. E se está tendo dificuldade para encontrá-la, você pode observar diretamente os sentimentos que surgem a cada vez que você faz sexo. O êxtase orgástico e a unidade terna e amorosa da sexualidade podem ser usados como indicadores diretos da Grande Bem-aventurança e do Grande Amor que são sua eterna Condição sempre presente.
Você pode encontrar Deus e seu Eu Real toda vez que faz amor. Os sentimentos diretos do sexo são um caminho infalível para a Realização Espiritual; desse modo, o sexo torna-se uma verdadeira forma de oração. E com o Tantra Integral, recomendamos que você ore com frequência. Na verdade, orar nunca é demais. E quanto mais você orar, maior a probabilidade de você Despertar [Wake Up]. E esse Amor Bem-aventurado é o único, verdadeiro e importante antídoto para a cegueira suicida de nosso mundo pós-moderno. Assim, pense um pouco sobre essas ideias, experimente essas práticas, incorporeas a sua Prática Integral de Vida e veja o que acontece. Desejo-lhes tudo de bom neste empreendimento notável, e muito obrigado a todos por estarem aqui…”